Coreia do Norte – O país mais fechado do mundo (Parte 2)

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Por que cargas d’água alguém visitaria a Coreia do Norte? O que há de interessante para ser visto nesse país? É perigoso? É complicado de chegar? É caro? O que é mito e o que é verdade? Como é a vida do norte-coreano? Por que eles têm tanta devoção aos grandes líderes? São muitas perguntas e curiosidades, que eu vou tentar responder com base na experiência que tive no país que sonhava tanto conhecer.

O motivo da viagem

Como sou apaixonado por história, em especial pelo período pós Segunda Guerra Mundial, da Guerra Fria até o colapso do socialismo, era um sonho antigo visitar um país que ainda vive como a URSS nos anos 1940 e que, na minha opinião, é o que implementou de maneira mais efetiva e com mais “sucesso” o socialismo. Embora eu não consiga concordar com quase nada dessa ideologia, acho intrigante e altamente relevante para a história mundial. Sendo assim, conhecer a Coreia do Norte (ou a RPDC – República Popular Democrática da Coréia, como preferem ser chamados) era quase uma missão de vida – que foi muito bem-sucedida.

Estação de trem em Pequim. Foto: Arquivo Pessoal

No último post da série, darei todas as dicas e informações importantes sobre como viajar para lá. No entanto, já vou repassar a primeira e a mais importante dica que recebi e norteou toda a minha visita e a forma como pretendo retratar esta experiência: respeito. É preciso ter a mente aberta, respeitar o povo norte-coreano e a devoção que eles têm aos grandes líderes e ao socialismo. Não é adequado, não por questões de segurança, mas por educação mesmo, questionar o regime, seus líderes e as crenças deles. Por mais que você discorde de muita coisa, como eu discordo, é preciso fazer um esforço para tentar entender a complexidade da história do país e o que o levou para onde está hoje. São pessoas que sofreram muito no passado e, de forma diferente, continuam sofrendo no presente.

Corredor das cabines no trem para Pyongyang. Foto: Arquivo Pessoal

As Regras

Existem muitas regras que precisam ser respeitadas nessa viagem. As principais são:

  • Não levar nenhum livro, revista, folheto, cartaz ou qualquer material que fale sobre a Coreia do Norte e/ou seus líderes (de forma positiva ou não, não importa);
  • Não levar nenhum livro ou item religioso, de qualquer religião, incluindo a Bíblia;
  • Não levar nenhuma roupa, botton ou qualquer distintivo com as bandeiras dos EUA, do Japão ou da Coreia do Sul;
  • Americanos, japoneses, sul-coreanos, fotógrafos profissionais, escritores e jornalistas têm acesso restrito e o processo para o visto é bem mais complexo e burocrático. A agência deixa a entender que, bem possivelmente, não serão aceitos;
  • É preciso se comprometer a não publicar, em nenhuma mídia, qualquer coisa relacionada à viagem. Na ocasião, informei que tinha um blog pessoal e que gostaria de postar sobre minha experiência, mas deixando claro que eu não era jornalista, apenas alguém que gosta de viajar e relatar suas histórias. Passei o link do blog e fui informado de que não haveria problemas em postar sobre a viagem aqui. Ufa!
  • É permitido levar celular, mas as fotos não podem ter a marcação de GPS. Também é preciso ter em mente que, a qualquer momento, um oficial do exército ou do governo poderá exigir ver o que há no celular e irá vasculhar, inclusive, conversas de Whatsapp, e-mails e afins para verificar se existe alguma informação sobre o país e os líderes, principalmente material jocoso, o que seria um grande problema;
  • Câmeras fotográficas profissionais são permitidas, mas existe um máximo de capacidade de lente que você pode levar. O objetivo é que você não tire fotos de longa distância;
  • Não é permitido entrar com o broche que tem a foto dos grandes líderes ou dinheiro norte-coreano de souvenir (vendidos em Dandong, na divisa). Os broches são cedidos pelo Partido aos membros ou a estrangeiros que demonstraram grande contribuição ao país, logo, usar um broche falso é praticamente crime. Como não se tem acesso ao dinheiro local deles, há pessoas que vendem dinheiro falso como souvenir. Entrar com este dinheiro é crime e pode ter sérias consequências;
  • Material pornográfico ou sexual, drogas e armas igualmente não são permitidos.


Durante a viagem, outras regras precisarão ser respeitadas:

  • Você nunca poderá andar sozinho em nenhuma parte da cidade, nem do lado de fora do hotel. É obrigatório estar acompanhado de um guia;
  • Você não pode fotografar ou gravar vídeos do que quiser e onde quiser. Sempre é preciso pedir autorização para os guias;
  • Não é permitido fotografar os monumentos dos grandes líderes cortando parte da foto ou pegando as costas. A foto precisa, necessariamente, pegar o corpo inteiro e ser de frente;
  • É preciso sempre demonstrar muito respeito aos grandes líderes e, em diversas situações, você precisará prestar reverência se curvando a eles. Se tiver alguma restrição a isso, repense sua ida à RPDC. Em uma determinada situação, você será convidado a levar flores aos pés da estátua e isso deve ser feito com grande respeito também;
  • São sinais de desrespeito: se agachar para tirar foto do monumento dos grandes líderes, dobrar, fazendo vinco, ou colocar qualquer coisa (como uma carteira ou copo, por exemplo) em cima de algum jornal ou folheto que tenha a foto de um deles. Em um dos lugares visitados, o Palácio do Sol, onde os corpos deles se encontram embalsamados e expostos, é preciso ir de camisa, gravata e respeitar mais regras de respeito e solenidade, como não andar com as mãos nos bolsos ou para trás, manter-se em fila, em linha e em completo silêncio durante toda a visita;
  • É também recomendável não se referir ao país como “Coreia do Norte”, mas sim como “DPRK” (RPDC);
  • Não é permitido abordar as pessoas nas ruas ou puxar papo com os locais sem autorização dos guias, bem como tirar fotos de militares e pessoas em cima de caminhões. Na dúvida, sempre pergunte e não questione;

Muitas pessoas ficam preocupadas se é de fato seguro viajar para a Coreia do Norte, e posso afirmar que sim. Tive ótimos momentos lá e foi tudo absolutamente tranquilo. No entanto, é preciso ter em mente que você só terá uma viagem tranquila se respeitar as regras. Se optar por ignorar alguma delas ou agir de forma muito desrespeitosa, aí sim sua viagem poderá ser um fiasco e, dependendo do grau de desrespeito que você cometer, ter sérias consequências. Por exemplo, em qualquer país do mundo, fazer sinal com o dedo do meio da mão para uma estátua não causa nada. Já na Coreia do Norte, isso pode resultar em pena de morte. Então, respeite as regras, tente não bancar o espertalhão e tudo vai dar certo.

A Chegada

A viagem começou saindo de São Paulo, com escala na Etiópia e chegada em Pequim, na China. Foram 27 horas de voo até lá. Em Pequim, fizemos alguns passeios e, depois, seguimos de trem para Dandong, cidade chinesa que faz divisa com a Coreia do Norte, para pegar outro trem para Pyongyang, a capital. Existe a opção de ir de avião de Pequim para Pyongyang, mas preferimos ir de trem para conhecer o interior do país. Foi a decisão mais acertada, apesar das mais de 24 horas de trem para chegar à capital norte-coreana.

Estátua de Mao Tsé-Tung em Dandong, China (divisa com a Coreia do Norte). Foto: Arquivo pessoal

Assim que saímos de Dandong e cruzamos a divisa com a Coreia do Norte, bateu um friozinho na barriga. A primeira coisa que vi foi um parque de diversões abandonado e as primeiras imagens dos grandes líderes. Dez ou quinze minutos depois, chegamos na alfândega e passamos por um longo processo de checagem das malas, equipamentos eletrônicos, revistas com detector de metais etc. Eu estava com o livro “1822”, de Laurentino Gomes, e ele foi checado e chacoalhado. Minha esposa estava com um livro intitulado “Líderes extraordinários”. Assim que o oficial do exército viu a palavra “Líderes”, pegou o livro e saiu para consultar com outra pessoa sobre seu conteúdo. Confesso que deu um certo receio na hora, mas logo tudo se resolveu. O processo todo levou cerca de duas horas e, durante esse período, não pudemos abandonar nossa cabine (ou, pelo menos, não era recomendável para quem não fosse norte-coreano).

Assim que as revistas foram concluídas, o trem partiu e os passageiros começaram a comer peixe seco, que eles “rasgavam” com as mãos enquanto tomavam cerveja norte-coreana. Muitos estavam com sacolas imensas, cheias de coisas que traziam da China. Muitos passageiros eram norte-coreanos que tinham ido à China para resolver assuntos de trabalho. Norte-coreanos podem sair do país, mas o processo é muito burocrático e, em geral, não autorizado. Apenas quem consegue comprovar real necessidade ganha autorização, normalmente pessoas do alto escalão do governo. Além disso, as viagens para fora da Coreia do Norte são apenas para países alinhados ideologicamente, como China e Cuba, e, em tempos passados, com a URSS e os países do Leste Europeu que também eram socialistas.

Banheiro do trem para Pyongyang, Coreia do Norte. Foto: Arquivo pessoal

Na volta é o mesmo processo de checagem, vasculhando as malas e analisando tudo que você está levando da Coreia do Norte.

Durante a ida, optei por não tirar nenhuma foto do caminho ou gravar qualquer vídeo. Respeitei rigorosamente as regras que me foram passadas. Já na volta, me arrisquei um pouco mais, tirei diversas fotos e gravei diversos vídeos do interior do país (mas, ainda respeitando as regras que recebi das guias). Na divisa, os oficiais do governo estavam vasculhando malas e começaram a analisar os celulares das pessoas. Eu, então, corri para mover todas as fotos que, por alguma razão, poderiam ser consideradas “não autorizadas” para uma pasta oculta do celular, a fim de evitar transtornos. Deu um tremendo frio na barriga, pois eram muitas fotos e vídeos, por isso o processo demorou, sendo que o oficial já estava terminando de revistar a mala e iria pedir meu celular. No entanto, neste momento, fui “salvo” por um livro que ganhei no Palácio do Sol com fotos do local e dos grandes líderes. Ele, ao ver o livro, perguntou minha opinião e eu, claro, elogiei o local e os grandes líderes. Então, me cumprimentou e encerrou a checagem sem olhar meu celular. Ufa!

Estação de trem de Pyongyang, na Coreia do Norte. Foto: Arquivo pessoal

Em outro post, irei relatar o que vi durante a viagem de trem, com fotos e vídeos do interior do país que irão revelar coisas muito interessantes sobre os costumes e o regime.

No próximo post, irei explicar quem são os grandes líderes, por que são tão importantes e reverenciados pelos norte-coreanos, além de algumas curiosidades e fatos até engraçados sobre o comportamento das pessoas quanto aos grandes líderes.

Trem de Pyongyang, na Coreia do Norte. Foto: Arquivo pessoal

Coréia do Norte – Os Grandes Líderes (Parte 3)

Começar a série pela Parte 1 (Mitos e Verdades)

 


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