Robben Island (Cape Town – África do Sul) – Nelson Mandela e a Ilha Robben – Aqui você vai morrer!

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Nelson Mandela foi condenado a prisão perpétua em 1993 e após muitas revoltas e pressões do povo sul-africano e de órgãos internacionais foi finalmente solto em 1990, tornando-se posteriormente presidente da África do Sul. Foram 27 anos de prisão política por defender que os negros tivessem os mesmos direitos que os brancos, algo que hoje nos parece elementar, mas, no período do Apartheid, era um crime da pior espécie.

Prisão da Ilha Robben – Arquivo Pessoal

Destes 27 anos de prisão, Nelson Mandela passou 18 deles na Ilha Robben, uma ilha prisão na Cidade do Cabo que já fora base naval, colônia de leprosos e asilo para lunáticos, mas se tornou famosa mesmo por ter sido a principal prisão de condenados políticos que atuavam contra o regime do Apartheid, aliás, um dos principais critérios para ser preso lá era não ser branco.

Cela de Nelson Mandela – Arquivo Pessoal

Em uma minúscula cela, seus utensílios básicos eram um pequeno cobertor, um banquinho e um prato. Para dormir, o chão. Para beber, água salobre (água com alta concentração de sal mas menos do que a água do mar) com direito a apenas 1 copo de água fresca por dia (água da chuva), caso cumprisse com suas obrigações. Entre suas obrigações, estava a de trabalhar na pedreira de cal quebrando pedras que, muitas vezes, eram descartadas e lançadas ao mar, afinal, o objetivo era apenas ocupar e punir os presidiários.

Sistema de captação de água fresca das quais os presos tinham direito a apenas 1 copo por dia – Arquivo Pessoal

Quando estive lá, passei por diversos setores como os alojamentos, conheci a cela onde o prisioneiro 46664 (Nelson Mandela) ficou alojado por 18 anos, a pedreira de cal e vários outros pontos que fizeram eu voltar ao tempo e tentar me imaginar vivendo naquele lugar. Foram muitas histórias tristes e ao mesmo tempo de brilhar os olhos por mostrar a luta destas pessoas por defenderem seus ideais.

Vista de fora da cela do prisioneiro 46664 , Nelson Mandela – Arquivo Pessoal

Prisioneiros políticos da categoria D, como ele, tiveram permissão para uma visita de 30 minutos e uma carta a cada seis meses. Qualquer coisa considerada “política” nas cartas seria cortada, de modo que muitas vezes o prisioneiro recebia apenas um remanescente de papel esfarrapado e indecifrável. Sua alimentação, era a pior de todas. Nesta foto abaixo eu tirei mostrando como era a alimentação dos presos das categorias B (“coloridos” em geral asiáticos) e C (Negros/Bantu), considerando que a alimentação dos prisioneiros D, como Mandela, era pior do que isto.

A dieta diária na prisão era dividida por categorias (raça) – Arquivo Pessoal

Mandela lembrou que ele e outros prisioneiros africanos receberam bermudas, enquanto Ahmed Kathrada, o único asiático entre o grupo de líderes do Congresso Nacional Africano que chegou à ilha juntos, recebeu calças compridas. Um exemplo de como existia racismo e segregação dentro da própria prisão.

Uma das partes que mais me marcou quando estive lá foi ouvir o guia, que tinha sido um preso na Ilha Robben, narrar sobre a postura de Nelson Mandela frente a tamanha desigualdade, tortura e brutalidade. Segundo este guia, Mandela era uma pessoa contida, serena e nunca agiu de forma violenta ou ríspida. Mandela conquistou aos poucos a confiança até dos guardas brancos que muitas vezes vinham consulta-lo sobre assuntos jurídicos. No entanto, por sua notória habilidade de convencimento, uma vez que conseguia argumentar sobre o racismo de forma irrefutável, alguns guardas brancos foram proibidos de terem contato com ele para não serem influenciados. Segundo o guia, ele era um homem sábio, firme sobre suas posições e muito respeitado e até de certa forma temido.

A prisão tinha cerca de 1.500 presos, sendo destes, cerca de 500 criminosos como assassinos e ladrões e os demais 1.000 eram presos políticos. Durante o trabalho forçado, Mandela aproveitava o tempo entre uma marretada e outra para ensinar sobre política, história e direito para os demais presos. Muitos que estavam ali acreditavam de fato que eram inferiores, e Mandela entendia que eles só conseguiriam lutar com consciência pela sua liberdade enquanto ser humano, se fossem instruídos e tivessem acesso à cultura e informação. Outros eram mais rebeldes, como os presos que vieram após a Revolta do Soweto (leia um post que conto este caso aqui), e que Mandela também tentava apresentar uma forma menos radical de atingir seus objetivos, embora o próprio Mandela tivesse participado de ações mais radicais enquanto jovem.

Prisioneiros quebrando pedras de cal – Getty Images

Conversando com alguns africanos pude constatar que nem todos eles têm em Mandela uma figura icônica, alguns chegam a contestar de fato seus interesses e sua forma de atuar. No entanto, é inegável que hoje seu nome é sinônimo de luta pela liberdade, contra a desigualdade, contra o racismo e pela emancipação do negro enquanto pessoa na sociedade. Foram 27 anos de prisão e uma vida inteira de luta por este ideal, e isto, é absolutamente admirável.

Mandela, que foi preso por duas vezes na Ilha Robben, recorda sua primeira chegada à ilha em seu livro: “Fomos recebidos por um grupo de guardas brancos e corpulentos gritando [em africâner]: ‘Dis die Eiland! Hier gaan julle vrek!” (Esta é a ilha! Aqui você vai morrer!). A história provaria o contrário.

“Hoje, quando olho para a Ilha Robben, vejo isso como uma celebração da luta e um símbolo das melhores qualidades do espírito humano, e não como um monumento à tirania brutal e à opressão do apartheid. É verdade que Robben Island já foi um lugar de escuridão, mas dessa escuridão veio um brilho maravilhoso, uma luz tão poderosa que não poderia estar escondida atrás dos muros da prisão …” Nelson Mandela

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