Coreia do Norte – Uma só Coreia (Parte 5)

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Em todas as partes visitadas na Coreia do Norte, em todos os monumentos e lugares, você ouvirá sempre a mesma história: o povo coreano sofreu muito, foi oprimido, escravizado, torturado e assassinado pelos japoneses e pelos americanos. Em ambos os casos, o libertador foi o Presidente e Grande Líder Kim Il-sung, e esta é uma das principais justificativas da devoção do povo a ele.

Koryo

Para entender o comportamento do povo atual, os conflitos internacionais, a idolatria aos grandes líderes e as negociações atuais com o presidente americano Donald Trump, é essencial voltar um pouco no tempo, até a Dinastia Koryo (ou Goryeo), presente de 918 a 1392, o período que eles consideram o mais glorioso de sua história. Foi nessa época que o imperador unificou diversas tribos da região, criando uma identidade nacional.

Nós visitamos a tumba do Rei Kyong hyo (ou Gongyang), que deu nome à região, uma vez que Korea (ou Coreia) deriva de Koryo (ou Goryeo). Segundo a guia, a sonhada reunificação da Coreia poderia ser coroada com um novo nome, que remetesse a esse período glorioso – o nome poderia ser Koryo. No entanto, esse parece um sonho bem distante de ser realizado e todos têm bastante consciência disso.

Tumba do Rei Kyong hyo, Kaesong, RPDC. Foto: Arquivo pessoal

Colônia Japonesa

Entre 1910 e 1945, após o colapso do Império Coreano, o Japão passou a controlar a região, fazendo desta uma colônia extrativista e de mão de obra. Esse período ficou marcado pelo sofrimento e escravização do povo coreano pelos japoneses, um sofrimento exaustivamente repetido e explorado politicamente. No Cemitério dos Mártires Revolucionários, em Pyongyang, iremos encontrar 200 sepulturas dos heróis da luta contra o Japão, cada soldado homenageado individualmente em sua sepultura com um busto de bronze. Segundo a guia, fazer uma escultura em pedra era muito pouco pelo o que eles fizeram. Em destaque no cemitério, familiares e amigos próximos do Grande Líder e Presidente Kim Il-sung.

Cemitério dos Mártires Revolucionários em Pyongyang. Foto: Arquivo pessoal

No período final da II Guerra Mundial, a URSS invadiu a Coreia pela região Norte, tomando Pyongyang e outras cidades que estavam sob controle do Japão. O Japão se encontrava em batalha no pacífico contra os EUA e pouco fez para evitar a tomada de território pelo Exército Vermelho de Stalin. Com o fim da Guerra, a região norte da Coreia, identificada pelo corte do Paralelo 38, ficou sob domínio da URSS. A região sul ficou sob domínio dos EUA, originando a separação da Coreia entre Coreia do Norte e Coreia do Sul.

Cobaia da Guerra Fria

O Norte, sob influência da URSS, tornou-se comunista. O Sul, sob influência dos EUA, tornou-se capitalista. O mesmo povo, com a mesma cultura e idioma, experimentou os dois regimes que disputaram a Guerra Fria, e esse é um dos principais motivos que me levaram a conhecer o país.

A Guerra Fria foi uma guerra ideológica entre capitalismo e comunismo, encabeçada pela extinta URSS e pelos EUA: um disputava diretamente com o outro em diversos aspectos, desde poderio bélico até a corrida espacial e as Olimpíadas. Embora não tenha sido uma guerra com tanques, bombas e tiros, foi uma forte disputa intelectual e econômica com o objetivo de provar ao mundo qual ideologia era a melhor, uma briga que, muitas vezes, quase nos levou literalmente ao fim, com iminentes guerras nucleares que assombraram o planeta.

Foto noturna da Coreia. O Norte totalmente escuro, praticamente nada desenvolvido, enquanto o Sul brilha intensamente. Imagem: O Mundo Fantástico

A comunista Coreia do Norte manteve-se praticamente agrícola, enquanto a capitalista Coreia do Sul se desenvolveu em tecnologia. Ambas investiram em educação e qualidade de vida, mas com focos e estratégias completamente diferentes. Hoje, a Coreia do Sul figura entre os principais países do mundo em IDH, renda, educação e tecnologia, enquanto os números da Coreia do Norte são desconhecidos. Especula-se que, embora não haja analfabetismo, seja um dos países mais pobres do mundo. A Coreia foi uma cobaia para a Guerra Fria e o resultado pode ser avaliado em uma foto noturna em que podemos ver como, em 70 anos, um país se desenvolveu absurdamente muito mais que o outro. Para muitas pessoas, esse não é o melhor critério para avaliar a qualidade de vida de um país, mas, pelo menos, serve de referência visual para comparar o resultado que cada ideologia trouxe para o mesmo povo com os mesmos hábitos e cultura.

A Guerra da Coreia

DMZ – Zona Desmilitarizada. Os prédios azuis são das forças da ONU e os brancos, do exército norte-coreano. Foto: Arquivo pessoal

A história oficial conta que Kim Il-sung, com o consentimento de Stalin, deu o primeiro passo na invasão da Coreia do Sul em 1950, tomando a capital Seul e avançando rapidamente. A ONU, liderada pelos EUA, interveio na invasão fazendo o exército de Kim Il-sung recuar. Foi neste momento que a China entrou na guerra, apoiando a Coreia do Norte e causando um grande impasse. No meio tempo, os EUA lançaram 400 mil bombas em Pyongyang, cidade que contava com, aproximadamente, 400 mil moradores, ou seja, uma bomba para cada morador, o que devastou completamente a cidade.

Após longos debates, foi estabelecida, na fronteira entre os países, uma linha denominada DMZ – Zona Desmilitarizada, que correspondia a uma faixa de quatro quilômetros de largura e mais de 200 quilômetros de extensão, onde as forças da ONU e as norte-coreanas estariam alinhadas, mas não em confronto. Em 1953, foi assinado um armistício, que, na prática, significa uma “pausa” na guerra. Tecnicamente, o Norte e o Sul ainda se encontram em guerra e, por isso, essa é uma região de muita tensão, o que justifica as constantes provocações entre os EUA e a Coreia do Norte.

Museu dos Vitoriosos da Guerra, em Pyongyang. Foto: Arquivo pessoal

Para os norte-coreanos, a história é um tanto diferente. Ao visitar o Museu dos Vitoriosos da Guerra, que, devo dizer, é imenso e lindíssimo, com salas incríveis e cenários impressionantes (mais uma vez, éramos os únicos visitantes), pudemos conhecer sua visão.

A partir de supostos documentos secretos obtidos por eles, seria possível comprovar que os EUA tinham intenção de invadir a Coreia do Norte, de maneira que o que fizeram foi apenas se antecipar, invadindo a Coreia do Sul como uma espécie de pré-retaliação. Além disso, eles entendem o armistício como uma derrota dos EUA, que, envergonhados, usaram a bandeira da ONU em vez da bandeira americana no momento da assinatura do documento.

Na verdade, não houve nenhuma derrota e, verdadeiramente, eram as forças da ONU lideradas pelos EUA, logo, o armistício foi assinado entre a ONU e o governo norte-coreano. Eles também acreditam que os EUA lançaram as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, por pura crueldade, pois já teriam informação de que o Japão iria se render. No entanto, a história oficial conta exatamente o contrário: os EUA sabiam que os japoneses não iriam se render de forma alguma, que a guerra duraria por muitos anos e milhões de pessoas morreriam em um exaustivo e longo confronto. Para encurtar e acabar logo com a guerra, optaram pelas bombas nucleares.

Algumas das 400 mil bombas lançadas em Pyongyang, uma para cada morador. Foto: Arquivo pessoal

USS Pueblo (AGER-2), navio espião que foi capturado pelos norte-coreanos e que forçou os EUA a fazerem um humilhante pedido de desculpas formal, ficando o navio como troféu para os norte-coreanos. Foto: Arquivo pessoal

Após a assinatura do armistício, o país pode se reconstruir e teve como grande algoz os EUA, que seria – e ainda é – utilizado exaustivamente pelo governo como aquele que deseja a qualquer custo invadir o país para tomar suas terras, por conta de sua posição geográfica estratégica na Ásia (o que não deixa de ter um fundo de verdade, mas está longe de ser uma obsessão americana).

No meu entendimento, é muito mais uma narrativa para justificar atos de exceção do governo. Além disso, é uma excelente maneira de criar um inimigo comum que una o povo cada vez mais em favor do governo contra o suposto imperialismo americano, criando um clima de terror e paranoia que é sentido o tempo todo, em todos com quem conversamos.

Mesa em que foi assinado o armistício do lado norte-coreano, com a bandeira do país. Foto: Arquivo pessoal

Mesa em que foi assinado o armistício do lado da ONU, representada pelos EUA. Segundo eles, os EUA, envergonhados por sua primeira “derrota” na história, optaram por colocar a bandeira da ONU. Foto: Arquivo pessoal

Mesa em que foi assinado o armistício. Eu estou do lado da ONU, enquanto o chinês (turista) está do lado norte-coreano. Foto: Arquivo pessoal

Uma só Coreia

Hoje, tanto a Coreia do Norte como a Coreia do Sul sonham com a reunificação e a volta de uma única nação coreana, como era até 1945. No entanto, nos mais de 70 anos que separaram a Coreia, os dois países desenvolveram diferenças sociais, culturais, religiosas, econômicas, políticas e ideológicas imensamente divergentes. É praticamente inimaginável que o Sul aceite o Grande Líder e o regime comunista, assim como é completamente impensável ao povo norte-coreano aceitar o modelo capitalista do Sul. Porém, o sonho é representado por um dos monumentos mais bonitos da Coreia do Norte, o Arco da Reunificação, que cobre a estrada que leva à DMZ, em Kaesong, caminho para a Coréia do Sul.

Arco da Reunificação. Foto: Arquivo pessoal

Segundo a guia, o Grande Líder e Presidente Kim Il-sung, que mandou construir esse monumento, estabeleceu apenas três regras para a unificação dos países:

1 – Não aceitar qualquer influência externa (principalmente dos EUA, claro);

2 – Ser feita pela paz, e não pela guerra;

3 – Que ambos se esforçassem para entender as diferenças culturais de cada região e buscassem um meio de viabilizar a união.

A guia também informou que o próprio Grande Líder e Presidente Kim Il-sung disse, à época, que estaria disposto a abandonar o posto de presidente caso o povo do Norte aceitasse o modelo político e econômico do Sul, respeitando democraticamente o desejo da maioria.

Ambos sonham com essa reunificação, mas nem eu nem as guias (e acho que ninguém) conseguimos acreditar que isso possa ocorrer ainda nessa geração. O caminho é muito longo, mas, por mais utópico que seja, não custa sonhar.

À esquerda, um oficial do exército que serve na DMZ e, à direita, oficial do exército que faz o passeio guiado no Museu dos Vitoriosos da Guerra. Foto: Arquivo pessoal

No próximo post, você irá entender como funciona o regime socioeconômico do país comunista mais fechado do mundo.

Coréia do Norte – O Regime (Parte 6)

Começar a série pela Parte 1 (Mitos e Verdades)

 


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