Pripyat – A cidade fantasma da Ucrânia

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Em 26 de abril de 1986 o reator número 4 da Usina Nuclear de Chernobyl explodiu causando o maior desastre nuclear da história. Por consequência, quase 200 cidades, vilas e povoados próximos precisaram ser evacuados às pressas, entre elas, a mais famosa: Pripyat, que se encontra até hoje inabitável por conta dos altos índices de radiação que ainda permanecem em diversos lugares da cidade e na chamada Zona de Exclusão de Chernobyl, uma área de 30 quilômetros de raio no entorno da usina.

Fundada em 4 de fevereiro de 1970 mas vindo a receber o status de cidade apenas em 1979, Pripyat, localizada a cerca de 100 km de Kiev, na Ucrânia, foi construída para abrigar os trabalhadores da Usina Nuclear de Chernobyl, que, dada a sua relevância, abrigava importantes engenheiros, cientistas, técnicos e oficiais soviéticos. Era uma cidade-modelo no melhor estilo comunista, que costumava erguer cidades em volta de grandes fábricas e usinas, tudo devidamente planejado e feito para ser bonito, funcional, e claro, propaganda.

A cidade tinha cerca de 50 mil habitantes e dispunha de uma ótima infraestrutura. Escolas, cinema, parques, lojas, teatro, lanchonetes, restaurantes, piscina, hospital e até um parque de diversões que seria inaugurado no dia Primeiro de Maio de 1986 (apenas 5 dias após o desastre) por ocasião do Dia do Trabalho, um feriado muito importante para o regime soviético.

A cidade era vibrante e estava em pleno crescimento. Havia uma expectativa de que esta seria uma grande e importante cidade para a Ucrânia e para os soviéticos. Existia também a perspectiva de que Pripyat iria crescer muito rapidamente, principalmente pelo incentivo estatal para os residentes terem filhos. A maternidade local havia sido preparada para a chegada de muitos bebês nos próximos anos.

Os cidadãos de Pripyat tinham uma vida tranquila, embora soubessem dos riscos de viver ao lado de uma Usina Nuclear. No entanto, o governo se encarregava de tranquilizá-los, garantindo que a energia atômica era extremamente segura, além de motivo de orgulho para o regime comunista. Desde sua fundação, em 1970, o solo, a água e a vegetação eram periodicamente analisados para acompanhar se a cidade estava de alguma maneira sendo afetada pela radiação da usina, e segundo os técnicos da época, estava indo tudo muito bem. Pelo menos até o dia 26 de Abril de 1986.

Omissão ou subestimação? 

A primeira explosão na Usina Nuclear de Chernobyl ocorreu no dia 26 de Abril à 01:28 da manhã. Chernobyl, embora estivesse na Ucrânia, era administrada pelos soviéticos e toda comunicação oficial deveria ser reportada para Moscou, deixando as autoridades locais totalmente desinformadas sobre o que se passava por ali.

Engenheiro de Chernobyl – 1986

Menos de uma hora após a explosão, às 02:15 da manhã, oficiais soviéticos mandaram bloquear a estrada para Pripyat, proibindo qualquer pessoa de sair ou entrar na cidade. Às 10:00 helicópteros já sobrevoavam a usina para tentar conter a explosão, enquanto oficiais do governo continuavam a negar a gravidade do acidente. Neste mesmo dia pela manhã, Gorbachev, Líder da URSS, pediu informações para um oficial local para saber como estava a cidade de Pripyat, que relatou estar tudo tranquilo, com pessoas passeando, casando, pescando e vivendo suas vidas normalmente. Claro, ninguém sabia de nada!

Membros da Comissão Científica de Chernobyl foram à Pripyat para medir os níveis de radiação, e na primeira medição que realizaram no início da tarde, identificaram que a radiação estava 15 mil vezes acima do normal e ao final da tarde já estava 45 mil vezes acima do normal. Preocupados, eles resolveram checar seus aparelhos acreditando que eles poderiam estar com algum defeito.

Apenas no dia 27 de abril, às 11:00 da manhã os ônibus começaram a chegar para a evacuação que havia sido agendada para às 14:00 daquele dia. Todo cidadão foi orientado a pegar apenas seus documentos, um lanche e se posicionar à frente do seu prédio. 

Para distrair a população, o parque de diversões, que seria inaugurado alguns dias depois, foi liberado para uso. A icônica roda gigante sequer foi utilizada pois não estava ainda totalmente finalizada e pronta para uso. O principal cartão postal de Pripyat nunca foi utilizado.

Às 17:30, ou seja, em 3 horas e meia, cerca de 53 mil pessoas já haviam sido evacuadas em mais de mil ônibus que vieram de Kiev e de diversas outras cidades próximas. Para quem morava em Kiev, este dia ficou conhecido como “O dia sem ônibus”, pois todos os disponíveis foram encaminhados para Pripyat.

Ônibus de Chernobyl – Foto Arquivo Pessoal

Apenas 48 horas após o desastre, Pripyat já era uma cidade fantasma. As casas estavam intactas, com absolutamente tudo deixado para trás, de roupas a eletrodomésticos, fotos, alimentos, tudo. As escolas estavam com todos os materiais, brinquedos e livros ainda dispostos sobre as mesas. Os hospitais com todos os medicamentos, leitos e equipamentos, o supermercado, a biblioteca, tudo intacto. Nada além de documentos e roupa do corpo foi levado, tudo foi deixado para trás uma vez que foi prometido que em uns três dias eles poderiam voltar para pegar seus pertences. 

Ao final da tarde do dia 27 de abril de 1986, na cidade de Pripyat, só haviam militares e alguns cientistas que ficaram no hotel da cidade onde se reuniam para planejar suas ações. Ao que parece, nem eles tinham total ciência do risco que estavam correndo ali.

Inabitável

Desde 2011 os níveis de radiação são considerados suficientemente aceitáveis para o turismo. Algumas poucas agências possuem licença para atuar no local e todos os guias são treinados por militares e passam por regulares avaliações médicas. Entrar na Zona de Exclusão de Chernobyl, onde Pripyat se encontra, sem a devida autorização, é crime e pode te levar a prisão. No entanto, há quem visite o local sem autorização, entre em edifícios proibidos e ainda roube muitos artefatos altamente radioativos.

Aviso de Área Radioativa – Pripyat. Foto Arquivo Pessoal

Para o turista, há uma série de restrições e orientações, como não tocar em nada, passar por processos de descontaminação, não beber água nem comer ao ar livre e ter em mente que, dependendo do nível de radiação de seu sapato, ele precisará ser descartado. Eu mesmo tive uma peça da minha câmera que caiu no chão em uma área muito radioativa e que não pude pegar de volta. Também assinamos um termo em que assumimos qualquer responsabilidade por entrar neste local tecnicamente perigoso.

Processo de Descontaminação – Pripyat. Foto Arquivo Pessoal

Embora aberto ao turismo, o local ainda reserva muitos pontos onde a radiação pode ser medida em níveis realmente elevados. Nesta minha medição, por exemplo, a radiação normal para esta situação seria algo em torno de 0.15 uSv/h, mas o contador geiger acusou mais de 33 uSv/h! Cerca de 220 vezes acima do normal.

Com o tempo muita coisa foi roubada, mesmo com altos índices de radiação. Pessoas se arriscaram p/ pegar o que achavam de valioso na cidade quando perceberam que ninguém iria mais voltar. Mesmo assim, ainda é possível sentir um pouco de como era a vida ali antes da evacuação.

Era muito interessante parar em frente um edifício abandonado, tomado por mato e até árvores, e ver uma foto daquele mesmo lugar, do mesmo ângulo, pouco antes da evacuação. Só assim era possível ter uma dimensão de onde estávamos e o que estávamos de fato vendo.

Uma curiosidade é que os cartazes e materiais de propaganda do regime soviético que antes do acidente estavam todos espalhados pela cidade, foram todos retirados e guardados em um depósito e se encontram lá ainda até hoje. Parece que isso ninguém quis roubar.

Cartazes de Propaganda soviética. Foto Arquivo Pessoal

Não parece haver um consenso sobre as estimativas de quando Pripyat voltará a ser habitável. Alguns especialistas falam em 900 anos, outros em 20 mil anos e há quem projete 600 mil anos para Pripyat poder voltar a receber residentes. No entanto, mesmo que pudesse, não acredito que alguém iria querer viver em uma cidade com uma história tão triste e sombria ao mesmo tempo.

Encontro de ex-moradores de Pripyat em 4 de fevereiro de 2020 em comemoração aos 50 anos da cidade.

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