Hoje são seus livros, amanhã será você

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Estes dias eu estava ajudando a distribuir os livros acadêmicos em uma escola pública que tinham acabado de chegar para os alunos. Novos e com bom acabamento, estes materiais didáticos são essenciais para o acompanhamento das aulas, exercícios, lições de casa e estudo para provas e inclusive para o exame do ENEM, que garante o ingresso para uma universidade.

Enquanto eu ajudava a distribuir eu ia reparando no total desinteresse com qual os alunos pegavam os seus livros. Eram raros os que se empolgavam, davam uma conferida, uma leve folheada, já curiosos pelo seu conteúdo. Mas até aí, nenhuma novidade, afinal, adolescentes não gostam mesmo de estudar e isto é da idade mesmo.

Porém, o mais chocante foi que alguns minutos após a distribuição do material, um grupo de alunos voltou com diversos kits de livros para devolver para nós. Eles tinham encontrado os livros jogados na sarjeta.

Foi inevitável relembrar meus tempos de estudante onde, embora eu tivesse estudado em uma escola particular – e sempre fui bolsista, chegando até mesmo a trabalhar por 2 anos como faxineiro na escola para ajudar a pagar meus estudos – eu não tinha dinheiro para comprar meus livros e ficava em uma lista de espera de doações que algumas vezes não aconteciam.

Quando eu recebia algum livro de doação, usado, rabiscado, as vezes com páginas faltando ou mancha de comida, eu nem ligava. Minha mãe encadernava, colocava aquele plástico xadrez azul e branco e eles ficavam praticamente novos. Pronto, eu estava feliz. Tinha livros para poder estudar e acompanhar as aulas com meus colegas. Eram livros usados e rabiscados mas eram meus. Pelo menos até o final do ano quando eu passava eles para outros alunos também sem condições de comprar livros.

Lembrei de tudo isto e, a cada memória, mais indignação eu sentia pelo ato destes alunos que jogaram os livros novos na sarjeta.

Fiquei com uma imensa vontade de encontrar estes alunos para conversar com eles. Mas, sinceramente, de que iria mudar? Possivelmente nem iriam me escutar, iriam rir, ignorar e não iriam absorver nada do que eu teria para dizer.

Mas mesmo assim, fiquei pensando o que eu poderia dizer para eles. Talvez eu contasse um pouco desta minha história, ou de como a educação é essencial para poder ter uma vida digna, um trabalho, dinheiro, poder viajar, realizar alguns sonhos e tudo mais. Coisas que eu consegui e conquistei graças ao conhecimento que obtive e que lutei para tê-lo.

Talvez eu falasse sobre o custo que este material teve – e que certamente custou ao estado muito mais do que seu valor real – e que a conta é alta, paga por impostos. Talvez eu pegasse o livro de inglês e dissesse que só este livro, só este idioma, poderia garantir para ele um salário 60% maior do que outro que não fala inglês. Talvez eu pegasse o livro de História, e mostrasse o quanto o brasileiro já sofreu, o negro, o pobre, quem mora na periferia, para finalmente poder ter acesso à educação e não crescer um analfabeto sem qualquer chance na vida.

Eu pensei em muitas coisas que eu poderia falar para tentar fazê-los entender que esta atitude apenas sepulta qualquer chance de prosperar na vida, e que acaba por abrir caminhos para o crime ou no mínimo para a manutenção da pobreza em sua família. A chance de dar uma vida melhor para seus pais e garantir um futuro melhor para si mesmo, literalmente foi jogado na sarjeta.

Mas talvez eu pudesse resumir tudo apenas em um provérbio africano que diz: “O conhecimento é como um jardim. Se não for cultivado, não pode ser colhido.”  .

Se eles entendessem apenas esta frase, já seria o suficiente para verem que ao jogarem os livros na sarjeta, seus sonhos, seus futuros e suas vidas, foram ali depositadas também.

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